domingo, 26 de maio de 2019

Menina que via Filmes: Compra-me um revólver [Crítica]



Título original: Compráme un revolver
Título no Brasil: Compra-me um revólver
País de origem: México
Direção: Júlio Hernández Cordón
Roteiro: Júlio Hernández Cordón
Idioma: Espanhol
Distribuidora: Pandora Filmes
Elenco: Matilde Hernández, Mariano Sosa, Rogelio Sosa, Wallace Pereyda, Sostenes Rojas, Angel Leonel Corral. 
Data de lançamento no Brasil: 30 de maio de 2019
por Larissa Rumiantzeff

Muita referência, pouca originalidade.

Nessa ficção distópica situada no México, em uma época indefinida, houve uma redução populacional, não devido a catástrofes naturais ou zumbis, mas porque mulheres são raras. E há um excesso de homens. As poucas que existem supostamente são roubadas ou mortas. Nesse cenário violento e árido, dominado por cartéis de drogas, uma menina vive com seu pai em um trailer e o ajuda a cuidar de um campo de beisebol frequentado por traficantes. Até que, após uma altercação com o primo de um manda-chuva, o segredo da menina é ameaçado e ela corre o risco de também ser sequestrada. 

Huck, como a chamam, tem cabelo curto e usa uma máscara de papel maché e um cap de beisebol, para que não descubram que é uma menina. Seus tornozelos vivem com marcas de correntes, que prendem seus pés para que não seja roubada. Fica implícito no primeiro ato que a mãe e a irmã foram raptadas, mas ela só tem conhecimento da mãe, de quem sente muita falta. Suas brincadeiras envolvem andar com outros meninos e aprender a se defender dos perigos locais, que incluem serem raptados, colocados em jaulas ou terem membros decepados. Coisas normais de criança. 
O pai é viciado em drogas, e faz o possível para protegê-la dentro de suas possibilidades, entre uma dose e outra de cocaína. Porém, precisa se submeter à facção que domina o local. 
Eu sei que esse filme foi exibido em vários festivais e ganhou prêmios. Sinal de que tem um público que foi cativado pela história. O tipo de história contado aqui poderia se situar em qualquer país subdesenvolvido, e nem ser considerado distópico, apenas realista. Entendo que a visão da menina implica uma falta de detalhes na história. Contudo, se eu disser que eu gostei, estarei mentindo. 
A visão do diretor, o gualtemalteco-mexicano Julio Hernández Cordón, é cheia de referências. Mad Max e Huckleberry Finn são algumas. Temos vários tópicos que valem a discussão. Temos machismo, discussão de gênero, exposição de crianças a violência e a sua subsequente perda de sensibilização a ela.  
O diferencial dessa história é ser contado do ponto de vista da menina. Desta forma, temos trompetes que soltam nuvens de fumaça coloridas e corpos vistos do alto como recortes de papel, para dar uma dimensão da criança frente a essa realidade violenta. Huck manuseia um braço decepado e brinca com um dente “da sorte” (que tudo indica ter sido da mãe) como se não fosse nada demais. E isso embrulha o estômago do espectador, mais do que qualquer cena de violência, já que, devido à proteção do pai, Huck não vê sangue. 
É do diretor esse mérito, ao dar voz e visão às personagens infantis de distopias. Alien e Waterworld são exemplos de filmes em que a criança é apenas um artifício fofo. Nesse ponto, o filme se salva. 
A fotografia é magnífica. Cenas bonitas. Close na expressão da protagonista. Parecia aquela minissérie “Hoje é dia de Maria”. A trilha sonora também foi bem escolhida. 
Outro aspecto positivo é a atuação das crianças, principalmente da atriz mirim Matilde Hernandes. É dela o ponto de vista da história, e a menina passa verdade com o seu papel. 
Por ser um filme de ação, ele prende a atenção, mantendo o espectador em uma tensão constante. Ao final, a sensação é de perda. Pela Huck, que perde o pai e sofre tantas privações, e pelo espectador que, depois de uma hora e meia, continua confuso. 
Temos poucas respostas sobre o porquê da situação onde todos se encontram, pouquíssimo contexto. Falta coesão. Em certos momentos, eu não tinha certeza se a cena se passava no futuro contra o presente. Em uma cena a menina estava andando pelo deserto com os meninos, na outra estava deitada se escondendo dos traficantes, em seguida, os meninos eram amigos do pai dela e todos comiam panqueca. 
Mais da metade do filme é dedicada ao primeiro ato e os problemas que movem as cenas são movidos pela incapacidade da menina de escutar o pai ou do pai de tomar decisões inteligentes. Não sabemos o destino da mãe nem da irmã da menina, nem se há outras facções. No final, Huck brinca casualmente com um dente que percebemos ser da mãe, sugerindo que foi uma prova de vida. E é só. Sabemos tudo o que Huck sabe. Pode ser lindo pro diretor, mas pra mim foi irritante. 
Pessoalmente, eu não gosto de histórias com muitas lacunas para serem preenchidas, nem de filmes com muitas referências e propostas de discussões, sem desenvolvimento das mesmas. Vi outros filmes que se propuseram discussões parecidas, como Diamante de sangue e Filhos da esperança, e fizeram um trabalho melhor.  Não recomendo. 




Crítica de Reinaldo Barros
O quão ingênua pode permanecer uma criança em meio ao caos? O cenário em Compra-me Um Revólver parece mais um desses pós-apocalípticos, onde poucos humanos sobreviveram a alguma pandemia ou catástrofe e se tornaram seres abomináveis. Aqui o mundo, ou parte do que sobrou, é governado por grupos de homens armados que impõem o medo e a violência à população, que os servem para permanecerem vivos.
Huck é uma menina que na maior parte do tempo precisa se disfarçar, se fingir de garoto, para que não acabe numa gaiola como todas as outras. Não importa a idade, meninas e mulheres são prostituídas para satisfazer os desejos dos mantenedores da ordem. São caçadas, aprisionadas e mortas caso não concordem com esse modelo de vida. Diante desse cenário, o pai de Huck faz de tudo para “passar a sua sorte para ela”, a ensina como sobrevier e enganar os criminosos. Nos poucos momentos de paz ele tenta viajar, deslocar sua mente para outro lugar onde não haja dor e repressão, onde ele possa estar com sua esposa e suas filhas, mais uma vez.

Apesar de ser ficção Compra-me Um Revólver é um filme extremamente atual e real. O cenário é, infelizmente, perfeitamente possível e nem um pouco difícil de se encontrar em inúmeras partes do mundo e do nosso próprio país. O enquadramento do filme foi justamente nos carteis mexicanos, famosos por chacinas e disputas violentas pelo domínio de territórios, venda de drogas, exploração da prostituição e diversas outras atividades criminosas. 
Compra-me Um Revólver poderia se passar por aqui também, pois não difere em nada o cotidiano de infindáveis crianças dos centros urbanos e das regiões rurais. Algumas exploradas por adultos passam por situações semelhantes e até mesmo piores à do filme. Huck sobrevive, mas perde parte da sua infância junto com seus amigos lutando por essa sobrevivência, respirando um pouco da fantasia que restou nesse mundo árido, sem recursos, com pouca esperança e quase nada de amor e respeito ao próximo. 

*Cabine de imprensa à convite da distribuidora
*Nossos colunistas são voluntários, os textos assinados por eles são originais de suas autorias.

3 comentários:

  1. Chocada com essas críticas, o filme parece ser bem pesado, com a diferença de notas, fiquei bem curiosa...

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  2. Eu não gostei do título do filme, ainda mais com uma criança na capa. Achei que tem muita coisa ruim em um filme só, machismo, violência e ainda com criança envolvida. Aff, muito dramalhão mexicano.
    Não foi um filme que me chamou a atenção. Esse eu vou deixar passar.

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  3. Caramba...que duas críticas incríveis e sim, distintas em muitos pontos.
    Sei lá, tudo que envolve crianças me deixa um tanto apreensiva e só de ler sobre as correntes, o coração doeu.
    Mas sim,neste universo onde mulheres são raras, toda proteção é pouca!
    Com certeza, se tiver oportunidade, quero muito conferir e creio que gostarei!
    beijo

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