quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Menina que via Filmes: Quem você pensa que sou [Crítica]

Título Original: Celle que vous croyez
Título no Brasil: Quem você pensa que sou
Países: França/Bélgica
Ano: 2019
Direção: Safy Nebbou  
Roteiro:  Safy Nebbou e Julie Peyr  
Elenco: Juliette Binoche, Nicole Garcia, François Civil, Guillaume Gouix
Duração: 1h 41min
Gênero: Drama

por Paulo Maurício Costa

Atingida em cheio por uma crise de meia-idade, a professora de literatura Claire Millaud (Juliette Binoche), separada e mãe de dois filhos, vai direto ao assunto diante de sua psiquiatra: criou um perfil falso no Facebook, no qual se passa por Clara, uma linda e evasiva jovem de 24 anos pela qual o fotógrafo Alex (François Civil), também na faixa dos 20 e poucos, logo se interessa. Claire tem pouca intimidade com a web: jamais ouvira falar em Instagram. Pouco a pouco, a troca de mensagens se intensifica, abre espaço para sexo virtual e, como o público já antevê, desdobra-se rapidamente na direção de uma obsessão mútua. Tomado pelo desejo, Alex insiste em conhecer seu crush pessoalmente, mas esbarra na indiferença calculada da veterana intelectual francesa, disposta a não revelar sua verdadeira identidade, o que, conforme ela diz a sua médica, encerraria o jogo de sedução via rede social.

Em “Quem você pensa que sou”, o roteirista e diretor Safy Nebbou, inspirado no romance de Camille Laurens, procura investigar a natureza das relações mediadas pela internet. Compreender a personalidade e os conflitos internos de Claire depende do quanto sabemos de seu “avatar” online, criado menos para seduzir um rapaz um tanto ingênuo do que para preencher o vazio existencial e a solidão da professora. Quem é mais real? A mulher madura em busca de afeto ou a jovem atraente e aparentemente desprendida de qualquer interesse em relacionamentos consolidados?

Caro a qualquer cinematografia que se queira moderna, o jogo de espelhos concretizado por Claire/Clara não chega a retirar certa artificialidade do desenho da paisagem emocional das personagens de Nebbou. Quando uma "virada" na trama coloca em dúvida a efetiva realidade do que é narrado, o cineasta por vezes parece desculpar-se com o espectador por aceitar a generalizada ideia de que, no mundo virtual, poucos são os internautas que de fato têm algo de verdadeiro a mostrar. 
Contudo, o longa-metragem sustenta a atenção da plateia ao imprimir certa leveza ao tom da narrativa, não apelar ao melodrama e, claro, abordar temática atualíssima que, a priori, jamais sairá de pauta até o fim dos tempos. Como deveria fazer qualquer outro diretor do planeta que tivesse Juliette Binoche nas mãos, Nebbou confere liberdade à premiada atriz, como sempre à vontade para comunicar sentimentos apenas com o olhar. Sua Claire/Clara se revela e se esconde ao sabor dos ventos da web. Afinal, na era da tecnologia, o amor e a modernidade são "líquidos". 

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Crítica 2 - por Jéssica de Aguiar

Nós somos responsáveis pelo outro, estando atento a isto ou não, desejando ou não, torcendo positivamente ou indo contra, pela simples razão de que, em nosso mundo globalizado, tudo o que fazemos (ou deixamos de fazer) tem impacto na vida de todo mundo e tudo o que as pessoas fazem (ou se privam de fazer) acaba afetando nossas vidas.”
O trecho acima pertence ao sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que aborda em diversos livros a construção e desconstrução dos laços entre os indivíduos na atualidade. Para ele, a relação das pessoas com o mundo virtual e os novos gadgets são fatores de mudança dramática nas relações sociais e amorosas. A conseqüência destas mudanças é o foco central do filme “Quem você pensa que sou” (Celle que vous croyez). 
A trama é contata da perspectiva de Claire (Juliette Binoche), ao longo de consultas com a psiquiatra (Nicole Garcia). Claire é uma mulher de meia idade, bem sucedida profissionalmente, mas que possui questões amorosas mal resolvidas. Apesar de Claire ser uma professora acadêmica, seu coração anseia uma vida mais passional, e busca o furor de uma paixão juvenil. 
Claire se relaciona com Ludo (Guillaume Gouix), que é consideravelmente mais jovem e não oferece a recíproca emocional que ela espera. O desprezo causado por ele afeta sua auto-estima, e buscando a aprovação do jovem, Claire tem a idéia de criar um perfil fake no Facebook e tentar uma aproximação. 
A partir daí, a história toma um rumo diferente, apesar de seu objetivo inicial ser Ludo, Claire, sob o pseudônimo virtual “Clara”, começa uma amizade com Alex (François Civil), o colega de apartamento do Ludo. Com o desenrolar dos diálogos virtuais, que se transformam em ligações cada vez mais freqüentes, os dois se envolvem amorosamente. Mas se deparam com a barreira da mentira criada por ela toda vez que o jovem pede um encontro presencial. 
Clara, a identidade virtual falsa de Claire possui 24 anos, é uma jovem estagiária, com belos cabelos loiros e olhos claros, uma aparência oposta à beleza clássica de Juliette Binoche, a intérprete de Claire, mas ainda assim, se torna a pele perfeita para a mulher vestir e encantar Alex. Com a aparência física jovial e o intelecto de uma mulher madura, Clara se torna então o objeto de desejo do jovem, que fica cada vez mais obcecado com a relação, na mesma medida em que Claire se envolve, perdendo o limite entre a própria identidade e o perfil criado. 
Com surpreendentes reviravoltas ao desenrolar da história, “Quem você pensa que sou” satisfaz o espectador que, ao primeiro momento pode ficar entediado com o desenvolvimento detalhadíssimo de uma relação virtual. Mas, após um longo período de criação de expectativas em ambas as partes, surpresas na trama que satisfazem. 
Este não é somente o retrato de uma história de amor virtual, também não se resume aos efeitos de uma mentira em uma relação. A história de Claire é sobre amor próprio e a necessidade de se sentir desejada, mesmo com o passar dos anos. A forma que a protagonista busca para satisfazer sua busca por amor traz questionamentos sobre até onde é justo mentir para se obter uma aprovação, e o quanto essa ilusão pode afetar os outros e também seu  próprio criador. 
A caracterização da personagem Claire busca expor um lado mais senhoril de sua beleza, colocando em debate os padrões estéticos, e o figurino discreto acentua também esse aspecto. Quanto à fotografia, a obra agrada ao público, com diversas cenas que brincam com texturas de água e espelhos expondo subliminarmente uma busca pela identidade e profundidade de emoções que são abordadas na trama. 
A direção de Safy Nebbou traz uma história de desejo com uma roupagem nova e surpreendente, não apenas se restringindo às emoções satisfatórias, mas também abordando questionamentos éticos das novas relações que são construídas no ambiente virtual. A sensação do espectador, ao sair do cinema, é de que o início poderia ter sido levemente encurtado, pois o desenvolvimento após o primeiro twist transforma a trama em uma obra muito mais atraente. O público fica com os olhos fixos na tela, devido à entrega visível de Juliette ao papel encenado, e à grata surpresa de François Civil, que mostra ser um ator que vai além do estereótipo de galã. 
Recomendo “Quem você pensa que sou” para aqueles que buscam uma obra de entretenimento com o poder de gerar uma reflexão, sobre amor, identidade e as construções das relações modernas. Tudo isso sem abrir mão do deleite de assistir belas interpretações em cena. 

5 comentários:

  1. Não estava sabendo sobre esse filme, mas fiquei bem curiosa para assistir e saber como termina esse relacionamento!! O catfish hoje em dia é um medo de muitos né, não tem como você ter a total certeza se aquela pessoa com quem você fala é realmente quem ela diz ser, fora todo o papo que rola hoje em dia de que nossa vida não é o que mostramos nas redes, pq geralmente só postamos as as melhores partes...

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  2. Admito qu enão sabia da existência deste super filme e só de ler o nome desta diva do cinema, o coração já sorriu!
    Eu amo este filme tanto de livro quanto de filme, que retratam estas relações muitas vezes complicadas da diferença da idade. Mas por tudo que li acima, não é apenas a idade, é a mentira, é o ser desejo de ser admirada mesmo que a danada da Juliette seja um ícone de beleza(filmes, .rs) mas também o fato do rapaz ficar obcecado desta forma(me recordei um pouco da série You)
    Por trás da telinha, podemos ser quem quisermos..mas até onde nosso coração entende isso??
    Com toda a certeza do mundo, verei!!!
    Beijo

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  3. Parece um filme bom por tudo o que foi escrito mas pela nota não é tão bom assim. Não lembro de já ter assistido a alguma filme com a Juliette Binoche. Dizem que ela é excelente.
    Fiquei curiosa em assistir, exatamente porque mostra essa influência que podemos ter na vida de outra pessoa.

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  4. Paulo!
    É verdade, ter Juliette Binoche como protagonista, é metade do filme por causa das suas expressões e atuação. E ver um filme baseado no que acontece muito hoje em dia nas redes sociais, é um tema bem atual.

    Jéssica!
    Gostei de ver o tipo de abordagem dada ao filme.
    Gostei também de ver que o lado psicológico de uma mulher de quase meia idade é abordado em um consultório psiquiátrico.

    cheirinhos
    Rudy

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  5. Deve ser muito interessante pois isso acontece todos os dias, a todo momento, pessoas com medo de se expor seja pela aparência ou pela idade pois o rapaz tbm procurou na net uma pessoa para se relacionar. Até que ponto isso vale a pena?

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