quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Menina que via Filmes: A vida invisível [Crítica]


Título original: A vida invisível de Eurídice Gusmão
Autora: Martha Batalha
Roteiro: Murilo Hauser, Inés Bortagaray, Karim Aïnouz.
Direção: Karim Aïnouz
País: Brasil
Ano: 2019 
Duração: 139 minutos
Elenco: Carol Duarte, Julia Stockler, Gregório Duvivier, Fernanda Montenegro, António Fonseca, Marcio Vito, Nikolas Antunes, Maria Manoella. 
Data de lançamento no Brasil: 21 de novembro de 2019
por Larissa Rumiantzeff

Preparem os lencinhos. Este filme premiado em Cannes promete muitas lágrimas. 
Nessa produção teuto-brasileira, favorita para concorrer ao Oscar 2020, o roteirista e diretor Karim Aïnouz explora e ilustra as formas ora sutis, ora brutais, como o patriarcado reprime e anula mulheres e seus sonhos, relegando-as ao papel de donas de casa, finalmente matando-as. 
A adaptação do livro “A vida invisível de Eurídice Gusmão”, romance de estreia de Martha Batalha, conta a história de duas irmãs, Guida e Eurídice, em uma Rio de Janeiro de época. O título já faz alusão ao invisível. Às diversas formas como as mulheres são oprimidas diariamente, permanecendo invisíveis, aos pais, aos parceiros, aos colegas de trabalho e até a elas mesmas. 
Filhas de portugueses, com um pai conservador e uma mãe submissa, Guida (Julia Stockler) e Eurídice (Carol Duarte) são diferentes em suas características, porém unidas em seus sonhos. A primeira, apaixonada, impulsiva e de espírito livre, quer curtir as festas, namorar e viver grandes aventuras. Eurídice é mais nova, mais obediente, doce, mas não menos sonhadora. Ela tem verdadeiro potencial como pianista, potencial esse que é castrado, a princípio pelo pai, e depois pelo marido, (Gregório Duvivier). 

A primeira cena do filme ilustra bem essa relação das duas, com Eurídice seguindo Guida pela mata, gritando por ela, mas não conseguindo encontrá-la, sendo que ela está bem perto. Antes unidas, é o chamado da mãe que as afasta da tranquilidade prévia de que desfrutavam. Uma conversa entre elas indica que Guida oscila entre a paixão e os costumes. 
A vida das duas muda para sempre quando Guida é expulsa e renegada pelo pai, seu Manuel (António Fonseca), ao aparecer grávida em casa após meses no exterior. Devido a uma mentira do pai, sustentada a contragosto pela mãe, as irmãs perdem completamente o contato. Eurídice, por sua vez, se casa com um tipo bobo, imaturo e incompetente para lidar com ela. Daí em diante, somos apresentados a passagens da vida de Guida e Eurídice, mostrando seus infortúnios, suas decepções e as diversas formas como seus sonhos foram sufocados pelos homens em suas vidas ao longo dos anos. Seus humores e vontades lidos pelos homens como histeria ou outras doenças mentais. Anos depois, Eurídice (Fernanda Montenegro), agora uma senhora octogenária, encontra as cartas extraviadas da irmã e busca seu paradeiro. 
“A vida invisível” é um filme incômodo, um verdadeiro soco no estômago, por retratar uma repressão que não se limita a um tempo longínquo. Tal qual em “livre para recomeçar”, livro resenhado aqui, o impacto se dá pela forma como ilustra o fato que, quanto mais os tempos mudam, menos as coisas mudam. Vivemos uma época complicada. De fato, relações como as mostradas no filme continuam a existir no país inteiro. Questões como direito sobre o corpo da mulher são abordadas, e até a interação do médico é feita com o marido, através de Eurídice. 
Aqui, até mesmo a maternidade, quando usada para calar as vontades femininas, é uma forma de violência. Ser mãe aqui não é opção, é compulsório, é esperado. Você não pode viajar quando é mãe solteira. Você não pode estudar quando se casa. Fim de linha. É preciso dar um herdeiro para o marido. Se for homem, melhor ainda. 

A participação especial de Fernanda Montenegro dispensa comentários, a não ser para apostar em uma possível estatueta no Oscar. A atriz veterana já concorreu por sua atuação em Central do Brasil, há mais de 20 anos. Sua versão mais jovem, Carol Duarte, não fica atrás. Carol é conhecida do público, já premiada como atriz revelação por seu trabalho, interpretando um personagem transexual na novela “A força do querer”. Gregório Duvivier, também figura conhecida, dá voz ao paspalho Antenor, marido de Eurídice.  
Um ponto positivo do longa nacional foi a pegada levemente mais melodramática, a começar pelo fado da trilha sonora, passando pelo corte de novela das cenas. Li que o diretor se inspirou na obra de Janete Clair. Longe de desqualificar o filme, essa escolha aproxima a obra do espectador, evocando emoções com facilidade. Em geral, uma característica de filmes dramáticos nacionais mais antigos era um teor denso, voltado para um público apreciador de obras mais cult. Era preciso descascar as várias camadas e analisá-los. Isso não quer dizer que este filme não evoque a análise e o pensamento crítico. Ele mostra justamente o que eu adoro ressaltar nas resenhas que faço: O famoso “entendi a vibe, só não curti”. Muitas vezes, assistimos uma produção impressionante, com muitos dinheiros investidos em efeitos especiais e simbologia. A não ser que esses esforços sejam empregados para comover o público, pouco adianta. Aqui, vemos que é possível fazer uma obra de qualidade com linguagem simples, e sem alegorias mirabolantes. O menos é mais, exceto na atuação. Karim Aïnouz apela aqui para o público geral. Ninguém sai da sala com os olhos secos. 
Minha única crítica seria aos aspectos técnicos, principalmente ao design de som. O início do filme sobrepõe as músicas tocadas por Eurídice ao piano, às conversas em português de Portugal e do Brasil à mesa. Algumas vezes, senti incômodo com o volume oscilante, mais alto de um lado dos alto-falantes. Outras, eram as falas e o movimento da boca dos personagens que desencontravam. Imagino que devam corrigir isso antes que o filme chegue ao circuito nacional. Porém, isso se normaliza mais tarde, permitindo uma imersão mais completa na narrativa. 
Minhas impressões finais? Chorei, mas chorei muito. Saí do cinema arrasada. Se alguma cena do filme não impactar você, o fado dos créditos finais dará o golpe de misericórdia. 
Este filme é indicado para homens e mulheres. Para as mulheres, o  olhar no espelho tem o efeito de catarse. Para os homens, talvez tenha um efeito informativo. 

5 claquetes, por falta de mais. E, quem sabe, uma estatueta?



5 comentários:

  1. Será que desta vez sai uma estatueta para o nosso país??
    Ainda não tinha lido nenhuma crítica sobre este indicação para a grande festa do Oscar,mas confesso que agora senti uma pontinha de esperança. A gente sabe que não é fácil, mas oh, tem potencial!!!
    Espero claro poder conferir o filme assim que for possível e também, torcer!!!
    Beijo

    Rubro Rosa/O Vazio na Flor

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  2. Parabéns pela crítica, fiquei super interessada em conhecer a obra, nacional de qualidade esse e tratando de um tema tão importante e ainda presente em nossa sociedade!!

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  3. Larissa!
    Parece que esse tremendo drama familiar é bom e traz novamente o papel da mulher dentro da sociedade e esse lance de trazer a história para o presente, deve trazer uma grande emoção mesmo.
    cheirinhos
    Rudy

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  4. Oiii ❤ Uau, não é por acaso que o filme recebeu prêmio em Cannes!
    Gostei muito que o filme fala sobre como o patriarcado reprime as mulheres, não deixando que elas tomem suas próprias decisões. Que o único destino previsto para elas é ter filhos e cuidar da casa. Ou ainda pior, serem mortas.
    Parece um filme impactante e que eu gostaria de assistir.
    Beijos ❤

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  5. Olá! ♡ Adorei a premissa do filme, certeza que vou me emocionar demais e chorar horrores.
    De fato, esse filme parece um soco no nosso estômago. Achei muito importantes os temas trabalhados.
    É revoltante ver como a sociedade oprime as mulheres, como essa sociedade machista e patriarcal em que vivemos atribui a mulher apenas o papel de mãe e dona de casa e julga as mulheres que almejam mais que isso.
    Com certeza vou assistir!
    Beijos! ♡

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