quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Guarde o Coração na Palma da Mão e Caminhe 🎬 documentário emocionante e cruel

 



Guarde o Coração na Palma da Mão e Caminhe”, dirigido por  Sepideh Farsi, será lançado nos cinemas dia 27 de novembro, depois de participar do Festival do Rio 2025 e da Mostra ACID Cannes (Mostra paralela ao Festival de Cannes organizada pela Association for the Diffusion of Independent Cinema). O documentário traz o relato da cineasta que conecta-se com uma mulher palestina em Gaza que documenta a vida sob bombardeios. Seus mais de 200 dias de trocas digitais ganham um novo significado após a morte de Fatem em um ataque israelense, em 16 de abril de 2025, poucos dias após a seleção do filme para Cannes. O filme é uma coprodução da França, Palestina e Irã e tem a distribuição da Filmes do Estação.

O documentário foi indicado ao The Gothams Awards 2025, um dos prêmios mais prestigiados do cinema independente mundial que acontece em Nova Iorque no dia 1º de dezembro.

A indicação reconhece não apenas a força do olhar da diretora, mas a potência de Fatma Hassona: fotojornalista palestina cuja história, filmada à distância e em meio à guerra, comoveu plateias em Cannes, Toronto e no Festival do Rio, além de ser um forte termômetro para uma indicação ao Oscar® 2026.




Sinopse:

“Guarde o Coração na Palma da Mão e Caminhe” é minha resposta, como cineasta, ao massacre contínuo dos palestinos. Um milagre aconteceu quando conheci Fatem Hassona. Ela se tornou meus olhos em Gaza, onde resistiu enquanto documentava a guerra, e eu me tornei o elo entre ela e o mundo, de sua 'prisão de Gaza', como ela a chamava. Mantivemos essa linha de vida por quase um ano. Os fragmentos de som e pixels que trocamos se tornaram o filme que você vê. A morte de Fatem, em 16 de abril de 2025, devido a um ataque israelense à sua casa, muda para sempre o significado do filme.



Poema de Fatma Hassona

“O homem que vestia seus olhos”

Fatem – Gaza

Talvez eu esteja anunciando a minha morte
agora
Antes que a pessoa à minha frente carregue
Seu fuzil de elite
E tudo acabe
E eu termine.
Silêncio.
“Você é um peixe?”

Não respondi quando o mar me perguntou
Não sabia de onde vieram os corvos
Que avançaram sobre minha carne.
Teria parecido lógico?
— Se eu dissesse: Sim,
Deixe esses corvos avançarem
no fim
Sobre um peixe!
Ela atravessou
E eu não atravessei.
Minha morte me atravessou
E uma bala afiada de atirador
Fez de mim um anjo
Por uma cidade.
Imensa.
Maior que meus sonhos
Maior que esta cidade


Declaração da Diretora:

Estas são as palavras de Fatma Hassona (ou Fatem, para os amigos), um trecho de um longo poema chamado O Homem que Vestia Seus Olhos.
Um poema com o perfume da vida — o perfume da morte também — mas ainda assim cheio de vida, como Fatem, até esta manhã, antes que uma bomba israelense tirasse sua vida, assim como as de toda sua família, reduzindo sua casa a escombros.

Fatem havia acabado de completar 25 anos. Conheci-a através de um amigo palestino no Cairo, enquanto eu buscava desesperadamente uma forma de chegar a Gaza, enfrentando estradas bloqueadas, procurando a resposta para uma questão simples e complexa: como alguém sobrevive em Gaza, sitiada por todos esses anos? Qual é a vida cotidiana do povo palestino em seu país devastado pela guerra? O que o Estado de Israel tenta apagar neste pequeno espaço de alguns poucos quilômetros quadrados, com tantas bombas e mísseis, e ao privar a população de Gaza de comida?

E dessa forma, Fatem se tornou meus olhos em Gaza, e eu, sua janela para o mundo. Eu filmei, capturando os momentos que tínhamos durante nossas videochamadas — tudo o que Fatem, tão intensa e cheia de vida, compartilhava comigo. Filmei seu riso, suas lágrimas, suas esperanças e seu desespero. Segui meu instinto, sem saber aonde essas imagens nos levariam. Essa é a beleza do cinema. A beleza da vida.

Quando ouvi as notícias no dia 16 de abril, recusei-me a acreditar. Pensei que fosse um engano — como aquele de alguns meses antes, quando uma família com o mesmo sobrenome havia sido morta em um ataque israelense. Incrédula, liguei para ela, enviei uma mensagem, depois outra, e mais outra.

Todos aqueles sonhos brilhantes foram esmagados por um dedo que apertou um botão e lançou uma bomba para apagar mais uma casa em Gaza.
Não há mais dúvidas: o que está acontecendo hoje em Gaza não é — e há muito tempo não tem sido — uma resposta aos crimes cometidos pelo Hamas em 7 de outubro.
É um genocídio cometido pelo Estado de Israel.

SEPEDIEH FARSI



Entrevista com a Diretora

Como seu encontro com Fatem Hassona mudou sua perspectiva sobre Gaza?

Este filme nasceu da minha necessidade de compreender Gaza para além dos números, das imagens de destruição e das narrativas dominantes na mídia. Eu precisava de uma voz específica, uma Gaza enraizada na vida cotidiana. Fui apresentada a Fatem (online) por meio de um refugiado palestino que conheci no Cairo. E, imediatamente, houve uma conexão entre nós. Ela se tornou meus olhos em Gaza. Por meio de suas fotos, vídeos e mensagens, ela transmitia a realidade de Gaza, vivida de dentro. Sua forma de testemunhar — sempre com dignidade, nunca como vítima — ajudou a mudar minha percepção. Gaza deixou de ser uma abstração ou um campo de ruínas: ela estava viva. Viva, forte, engraçada, ainda que frágil.

Por que você decidiu fazer um filme a partir dessas conversas?

Nossas longas (quase diárias) conversas em vídeo revelaram uma verdade crua que eu jamais poderia ter captado de outra forma.A gente se comunicava principalmente por WhatsApp, entre quedas de energia, desconexões de internet e bombardeios. Às vezes, Fatem andava quilômetros para encontrar um sinal forte o bastante para me ligar. Havia um desejo de testemunhar esse esforço. De manter a presença, de dizer “estou aqui”. O filme nasceu dessa urgência, da minha busca por uma resposta e do desejo de preservar esses fragmentos de vida, de momentos cotidianos, mesmo interrompidos pela guerra. As imagens que você vê são imperfeitas, mas reais. Elas carregam vitalidade, humanidade e um testemunho que precisa ser transmitido.

A morte de Fatem, logo após o anúncio da seleção do filme em Cannes, dá ao projeto uma ressonância trágica. Como você viveu isso?

Tínhamos falado no dia anterior. Ela havia acabado de saber sobre a seleção e estava radiante. Conversávamos sobre sua ida para Cannes. Ela disse que iria, mas com a condição de poder voltar para Gaza depois. Ela não queria deixar Gaza para sempre. Gaza, apesar de todo o sofrimento, era seu lar. No dia seguinte, ela se foi. O choque foi imenso. E ainda assim, eu não queria que o filme se tornasse triste. O que criamos juntas é um testemunho vivo — um filme que carrega sua luz, não sua ausência.


O filme mostra Gaza através dos olhos dela. Você teve uma intenção política desde o início?

Não acredito que seja possível filmar Gaza sem que isso seja político de alguma forma. De fato, acredito que o cinema é sempre político, de uma maneira ou de outra, mas minha intenção inicial não era fazer um manifesto. O que eu queria era dar espaço a uma voz muitas vezes ausente na paisagem midiática — na cobertura da guerra pós-7 de outubro em Gaza. Fatem contou sua história — dela, de sua família, de sua vida cotidiana — com clareza e graça, de uma forma mais poderosa que qualquer discurso. Ela mostra que a vida continua: faz piadas sobre os drones, fala com carinho da casa destruída. Ao seguir sua perspectiva, quis criar um espaço de partilha. O filme convida as pessoas a escutarem, a sentirem, a verem o que muitas vezes é ignorado: nossa humanidade.

O que você gostaria que o público levasse do filme?

Espero que eles lembrem de uma voz. Um olhar. Um sorriso. Uma alma. Uma beleza. Que, para além das imagens de guerra, procurem seres humanos. Não tento entregar uma mensagem pronta. O filme não explica — ele mostra e oferece um olhar diferente, abrindo uma janela para uma terra que raramente vimos em sua simplicidade e resiliência. Para uma relação, uma realidade compartilhada.
Se as pessoas saírem da sessão com emoção sincera, com perguntas, com o desejo de compreender e mudar sua perspectiva... então a voz de Fatem terá sido ouvida. E isso, acredito, é o resultado mais significativo que este filme pode alcançar.



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